segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Como foi mudar para um país novo com uma criança, por Marcelle Otubo

Ler o depoimento da Marcelle, mãe da pequena Carol de quase 3 anos e meio foi quase como ouvir uma narração do Galvão Bueno. A cada parágrafo pensava: quero ir, não quero ir, quero ir, não quero ir!!!

É preciso muita coragem, força, vontade e mente aberta para sair de perto da família e amigos e se mudar para um país diferente, com culturas e línguas diferentes. Mas ela e o marido tiveram essa oportunidade e não perderam!

Confira o que a Marcelle percebeu nas diferenças e como ela encara, há dois anos, sua nova rotina em Berlim, Alemanha.


Como foi mudar para um país novo com uma criança?
Por Marcelle Otubo



Sou Marcelle, tenho uma filha, a Carolina, de 3 anos e me mudei para Berlim quando ela tinha um pouco mais de um!

Já te adianto que não foi fácil e ainda não é. Talvez se tivéssemos escolhido um país cuja língua dominássemos (como o inglês) ou que fosse mais parecida com a nossa (espanhol, italiano...quiçá francês!) fosse mais fácil. Mas nossa mudança foi para a Alemanha. Um país com uma língua absurdamente difícil, de cultura oposta ao nosso calor latino e com o clima frio na maior parte do ano.
Viemos para Berlim quando minha filha Carolina estava com 1 ano e 3 meses porque meu marido teve uma oferta de emprego interessante, estávamos cansados da falta de segurança do Brasil e sempre tivemos vontade de morar fora.
Quando chegamos aqui era outono e apesar de mais frio que o nosso inverno (nessa época as temperaturas chegam a 8 graus, por exemplo) ainda não era nada assustador. Eu sei que a maioria das pessoas romantiza a neve e acha que deve ser maravilhoso, mas o problema maior do inverno, como vim a descobrir pouco depois, é que não tem luz. Quem está acostumado com o céu aberto e azul do Brasil estranha muito os dias, que são tão cinza que parece que roubaram o céu, e o fato da claridade começar lá pelas 9h e terminar às 15h. A neve é realmente linda. Quando neva você esquece o resto. Esquece o frio, o cinza, o escuro e brinca igual criança. Pena que aqui não neve muito. Coisa de duas semanas só...



Mas e como foi a adaptação da minha filha? Ela era muito pequena. Na época não falava quase nada ainda e a princípio ficava só comigo, já que demoramos uns 5 meses para conseguir vaga no Kita, o maternal alemão. Eu confesso que precisei mudar muito a minha cabeça também, pois a maternidade no Brasil é oposta à maternidade na Alemanha. Enquanto no Brasil nós parecemos mais com as mães norte-americanas que ficam super preocupadas o tempo inteiro com o que a criança está fazendo, se vai machucar, se é perigoso... aqui as mães acham que seus filhos tem que aprender a se virar. Os parquinhos de rua (que são inúmeros e maravilhosos, uma das coisas que mais sinto falta quando vou ao Brasil) têm brinquedos que chocariam as mães brasileiras. Muito provavelmente elas não deixariam os filhos brincarem por acharem pouco seguros. Mas nesses meus dois anos de Alemanha (e de parquinhos) nunca vi um acidente. Parece que realmente as crianças aprendem seus limites. Eu estou conseguindo absorver aos poucos essas características que eu considero bacanas.

Quanto ao bilinguismo, sei que muitas pessoas dizem que "criança é igual esponja", "vai aprender num pulo", mas não é bem assim. Quando ela entrou para o Kita, ficou um pouco confusa pois as poucas palavrinhas que ela falava as professoras não entendiam. Ela estava com 1 ano e 11 meses e chorava um bocado na adaptação. Eu não podia sair de vista que era o maior chororô. Outra diferença do Brasil: adaptação na creche (Eingewohnung) só acaba quando a criança está realmente ADAPTADA. Ou seja, nada de choro pra ficar. Esse tempo pode variar de duas semanas a seis meses! No nosso caso foram três meses e eu ia diariamente para lá. Num dia ficava umA hora, na semana seguinte duas. Chorou? Uma hora de novo. Eu brincava que ia precisar de um crachá pois já era quase funcionária, já conhecia todas as crianças pelo nome e os funcionários.
Depois da adaptação, ela passou a amar o kita, mas o alemão deslanchar mesmo levou tempo. Hoje, ela está com 3 anos e 4 meses e o português está ok, mas o alemão ela fala bem menos do que as crianças que tem pai ou mãe alemã em casa, já que o kita é sua única "fonte" da língua. Claro que eu fico ansiosa (sou mãe, e brasileira, né?) mas as educadoras estão acostumadas e estão sempre me tranquilizando e atualizando sobre os progressos dela.
Acho interessante que o kita é bem diferente do maternal no Brasil. Não existe uma obrigatoriedade em "aprender" formal. Tudo é trabalhado em temas relevantes ao momento: primavera começou? Bora falar de primavera! Como são as flores, vamos mostrar cores, fazer desenhos, colagens... Natal vem aí? Muda-se o tema de todas as atividades. E também não é aqui que eles vão aprender a escrever. Isso é só na primeira serie (aos 6 anos na Grundschule). A única obrigação deles é brincar e se integrar. Ah! Nada de tecnologia também. Os brinquedos são de madeira, pano, papel... nada de eletrônicos ou TV. E o horário depende da necessidade dos pais. Conforme o que os pais conversam no Jungeamt (seria o juizado) eles ganham uma quantidade de horas que pode variar de cinco a 12. No meu caso, são sete horas. Ela entra as 08:30, almoça lá (toda a alimentação é orgânica), dorme e sai às 15h30.

O que eu considero melhor que no Brasil?
1. Segurança. Existem casos de furto, mas de assalto ou agressão...são raríssimos. Por isso muitas crianças vão para a escola sozinhos e é comum vermos uns cotoquinhos de gente de seis anos andando pelas ruas com seus mochilões ou em bicicletas e patinetes.
2. Independência: as crianças são muito independentes. Além de irem sozinhas para a escola, elas vestem a própria roupa, gostam de fazer suas coisas. Acredito que isso as ajude a se tornarem adultos mais seguros e assertivos.
3. Ensino: o ensino aqui é gratuito e de qualidade. 
4. Cultura: talvez isso não seja verdade nos pequenos Dorfs da Alemanha. Mas em Berlim, onde moro, a cultura fervilha. Existem sempre mostras, exposições, eventos. Só fica em casa quem quer.
5. Diversidade: novamente, falo por Berlim, mas aqui você é vizinho de um sírio, trabalha com um alemão, seu filho estuda com um moçambicano e a moça do mercado é americana. Acho isso riquíssimo para a vivência das crianças.
6. Língua: alemão é difícil demaaaaais. Mas apesar de não ser tão fácil quanto achei que seria, minha filha está adquirindo um novo idioma. E isso é um presente que estamos dando a ela, pois com certeza mesmo que voltemos ao Brasil isso a ajudará a abrir portas no futuro.
7. Transporte de qualidade: é libertador saber que você NÃO PRECISA ter carro. Você pode ter se quiser (nem é tão caro assim), mas você chega a qualquer lugar facilmente e com segurança mesmo que não tenha um.
8. Alimentação: Aqui as pessoas são extremamente preocupadas com a alimentação. Existe uma oferta infinita de supermercados bio (orgânicos), restaurantes bio, cafés bio... e mesmo quando o mercado não é bio, a lei de agrotóxicos aqui é bem mais restrita então tem bem menos "veneno" na comida.
9. Kindercafés: se você tem filho pequeno, Berlim é o paraíso. Existem centenas de cafés onde você pode curtir seu lanche enquanto seu filho brinca na piscina de bolinhas, no parquinho ou com os brinquedinhos que eles fornecem. Geralmente não se paga para brincar, só pelo que consumir.
10. Consumismo. As pessoas são muito menos consumistas do que no Brasil. Até por isso são abundantes os Flohmarkts (brechós) onde você acha de tudo: Roupas, brinquedos, acessórios para bebê...
11. Possibilidade de viajar: na Europa os países são relativamente próximos, então não é difícil passar um final de semana conhecendo um país novo. Mais uma vez, acho essas experiências valiosíssimas.
12. Parquinhos. Berlim tem um parquinho em cada esquina. De verdade. Não estou sendo exagerada aqui. 

Ah, Marcelle, mas é um paraíso? Não tem nada de ruim aí não? Tem, claro que tem. O que eu considero ruim aqui?
1. Família e amigos: nós temos amigos aqui, claro. Mas a maioria dos nossos amigos e a família estão no Brasil e não são ricos o suficiente para visitar a gente todo ano. Dá um apertinho no peito as vezes quando a Carolina fala com minha mãe no Skype e pede pra vovó "por favor, pegar o avião e vir aqui". 
2. Língua: imagina uma coisa difícil. Imaginou? Multiplica por 100 e você tá perto da dificuldade de aprender alemão. Estou estudando e ainda passo muitos apertos tentando me comunicar com as professoras da minha filha, por exemplo. E isso causa uma angústia que vocês só podem imaginar. Como um dia que ela machucou o dedinho (nada muito sério) mas eu queria saber o que tinha acontecido e não conseguia entender. Tive que apelar para uma amiga que fala alemão. Liguei para ela e passei o telefone pra professora e essa minha amiga foi me traduzindo. Saí muito triste nesse dia. Mas mais determinada ainda a aprender essa língua dos infernos.
3. Tabagismo: isso é uma das poucas coisas que me incomoda MUITO. Aqui todo mundo fuma. O preço dos cigarros é absurdamente caro, mas as pessoas compram fumo e enrolam seus proprios cigarros. E elas são muito sem noção. Elas fumam em todos os lugares. Dentro de bares, dentro de prédios, embaixo da proteção do ponto de ônibus. É como se tivessémos voltado ao Brasil dos anos 80. E elas não se intimidam se você está esperando seu ônibus com seu bebê e está se protegendo DA NEVE, elas fumam ali embaixo da proteção e do lado seu bebê. Aconteceu comigo. E eu nem podia sair dali, ja que estava nevando.
Acho que os prós superam muito os contras. Por isso mesmo com a saudade, vamos aprendendo alemão, viajando e criando nossa filha aqui. No momento, estamos relatando nossas experiências no blog Carolinando e no nosso canal no Youtube e esperamos que a Carolina, no futuro, curta muito tudo o registro de tudo que vivemos. Posso dizer, que nós estamos curtindo.



Se você também quer compartilhar sua experiência como mãe ou como pai, envie um e-mail para contato@leidagravidez.com.br e conte-nos sua história. É importante você enviar uma ou mais fotos com autorização de imagem para publicação.

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